DECISÃO DO TJSP REFORÇA EFETIVIDADE DAS EXECUÇÕES CONTRA FUNDAÇÕES DO TERCEIRO SETOR: UMA LIÇÃO SOBRE RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL E ORGANIZAÇÃO ENTRE MATRIZ E FILIAL

Inteligência Jurídica

DECISÃO DO TJSP REFORÇA EFETIVIDADE DAS EXECUÇÕES CONTRA FUNDAÇÕES DO TERCEIRO SETOR: UMA LIÇÃO SOBRE RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL E ORGANIZAÇÃO ENTRE MATRIZ E FILIAL

No atual cenário jurídico, marcado pela crescente relevância das fundações do terceiro setor — muitas delas responsáveis por administrar equipamentos públicos de saúde, educação e assistência social —, uma importante decisão proferida pela 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), no Agravo de Instrumento nº 2273191-26.2024.8.26.0000, lança luz sobre um tema sensível e recorrente: a responsabilização patrimonial de entidades sem fins lucrativos e os limites da atuação de suas filiais no contexto executivo.

O caso em questão tratava de pedido de desbloqueio de valores, alegando-se impenhorabilidade dos recursos em conta corrente sob o argumento de que se tratavam de verbas públicas repassadas para fins específicos — no caso, a administração hospitalar. Requereu-se, ainda, a nulidade da citação e a concessão de gratuidade de justiça. Nenhuma dessas teses, no entanto, foi acolhida pelo Tribunal.

A Corte manteve a constrição judicial, afastando a tese de impenhorabilidade com base na ausência de prova cabal da origem pública e vinculada dos valores penhorados. A decisão firmou o entendimento de que não basta a simples alegação genérica de que os valores decorrem de repasses do Poder Público: é necessária a demonstração documental precisa da origem e destinação desses recursos, com rastreabilidade desde o repasse até a movimentação bancária vinculada à execução do contrato. Este rigor probatório reforça o zelo do Judiciário em não converter a proteção legal em escudo para a inadimplência.

Outro ponto de destaque foi o reconhecimento da validade da citação encaminhada à unidade hospitalar, que havia encerrado atividades no endereço indicado. A Corte aplicou, com propriedade, a chamada teoria da aparência, prevista no §2º do artigo 248 do CPC, ao considerar válida a citação recebida no endereço constante do CNPJ e do contrato de gestão, em que não houve qualquer ressalva quanto à entrega. Tal posicionamento preserva a segurança jurídica e impede a instrumentalização da desorganização administrativa da devedora para obstar a marcha processual.

Em termos estruturais, a decisão ainda tem uma relevância ímpar: ela consolida o entendimento de que fundações do terceiro setor, mesmo sendo pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, não estão imunes à responsabilidade patrimonial, sobretudo quando atuam por meio de unidades descentralizadas (filiais), cujas movimentações financeiras não são dissociadas do patrimônio da matriz.

É oportuno destacar que a jurisprudência foi firme em estabelecer que não há separação patrimonial entre filial e matriz no tocante às obrigações civis, o que desautoriza qualquer tentativa de atribuir a uma unidade isolada (ou inativa) a exclusividade da responsabilidade pela dívida, como se se tratasse de entidade distinta. A manutenção de contas bancárias, recebimentos e pagamentos vinculados à matriz torna inequívoca a confusão patrimonial e reforça a possibilidade da execução sobre ativos da organização como um todo.

Para os credores — especialmente aqueles que prestam serviços a fundações e entidades similares —, esta decisão representa um reforço fundamental da tese de que o terceiro setor, ainda que dotado de função social relevante, está sujeito ao ordenamento jurídico em sua plenitude, devendo observar os princípios da boa-fé, da probidade e da responsabilidade patrimonial.

A partir desse precedente, recomenda-se especial atenção no momento da contratação com fundações e organizações do terceiro setor, observando-se a real capacidade econômico-financeira da entidade, a saúde fiscal de sua matriz e de suas filiais, bem como a rastreabilidade dos pagamentos para, em caso de inadimplemento, não se deparar com uma teia de obstáculos administrativos que retarde ou frustre a tutela jurisdicional.

Nosso escritório seguirá atento e atuante na defesa dos interesses de seus clientes credores, especialmente diante de tentativas artificiais de blindagem patrimonial ou esvaziamento da efetividade da execução. A responsabilidade é o pilar que sustenta a confiança nas relações empresariais — e esta decisão é mais um tijolo sólido nessa construção.

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