- Introdução
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei n.º 8.078/1990, é amplamente reconhecido como uma legislação moderna e eficaz na proteção dos direitos dos consumidores. Sua disseminação foi impulsionada por campanhas midiáticas e programas televisivos que expunham supostas infrações às normas consumeristas, tornando-se referência para a exigência de direitos pelos consumidores.
Entretanto, o CDC não prevê regulamentação específica para o comércio de produtos usados, uma vez que, na maioria dos casos, esses produtos são vendidos informalmente e em pequena escala. Todavia, o mercado de veículos usados se distancia dessa realidade, consolidando-se como um setor de grande importância econômica. Em 2022, foram vendidos aproximadamente 13,3 milhões de veículos usados no Brasil. Esse número aumentou para 14,5 milhões em 2023, representando um crescimento de 8,7%, e atingiu um recorde histórico de 15,8 milhões em 2024, com um crescimento adicional de 9,2%.
Diante dessa realidade, a ausência de regulamentação específica no CDC levou o Poder Judiciário a suprir essa lacuna por meio da jurisprudência, resultando em entendimentos que distinguem significativamente as relações de consumo envolvendo veículos novos e usados, especialmente no que tange à garantia legal e contratual.
- A Interpretação Jurídica da Garantia em Veículos Usados
A garantia dos produtos no direito do consumidor é um instituto que visa assegurar a qualidade dos bens adquiridos, permitindo ao consumidor a substituição ou reparo em caso de vício. No entanto, esse conceito foi desenvolvido essencialmente para produtos novos, cuja fabricação segue padrões de qualidade homogêneos e padronizados.
Diferentemente, os veículos usados não possuem uma linha de produção que assegure a integridade de todas as suas peças e componentes. Cada automóvel usado possui um histórico de uso particular, o que impossibilita a aplicação irrestrita da garantia prevista para produtos novos. Nesse sentido, a jurisprudência consolidou o entendimento de que a garantia para veículos usados deve ser mitigada, limitando-se, geralmente, à cobertura do motor e câmbio, conforme interpretação sistemática do artigo 6º, inciso III, do CDC, que trata do direito à informação clara e adequada sobre o produto.
A razão dessa limitação é objetiva: ao adquirir um veículo usado, o consumidor tem a oportunidade de avaliar seu estado geral, mas não consegue aferir plenamente as condições internas do motor e do câmbio sem desmontá-los, o que seria tecnicamente inviável. Dessa forma, a jurisprudência reconhece que a mitigação da garantia para esses componentes específicos resguarda tanto os direitos do consumidor quanto os interesses do fornecedor, evitando abusos e exigências desproporcionais.
- O Papel da Assessoria Jurídica Especializada na Defesa das Revendas de Veículos Usados
Diante da peculiaridade do mercado de veículos usados e da interpretação jurisprudencial do CDC, as revendas enfrentam desafios jurídicos que demandam uma assessoria especializada. A aplicação rígida do CDC, sem considerar as especificidades dos bens usados, pode gerar abusos por parte dos consumidores, que muitas vezes buscam equiparar a compra de um veículo seminovo à de um automóvel zero quilômetro.
Nesse contexto, os profissionais do Direito que atuam na defesa das revendas de veículos usados devem adotar uma abordagem refinada e estratégica, pautada na interpretação sistemática do CDC e na análise jurisprudencial. É fundamental que os lojistas sejam orientados a fornecer informações claras sobre o estado do veículo, incluindo seu histórico de uso, revisões e eventuais desgastes naturais, a fim de garantir a transparência na relação de consumo e minimizar riscos de litígios.
- Conclusão
A ausência de uma regulamentação específica no CDC para o comércio de veículos usados resultou na necessidade de adaptação jurisprudencial, consolidando o entendimento de que a garantia nesses casos deve ser mitigada. Essa interpretação tem como fundamento o direito à informação e a impossibilidade técnica de equiparar um veículo usado a um zero quilômetro em termos de qualidade e previsibilidade de funcionamento.
Portanto, é essencial que as revendas de veículos usados contem com uma assessoria jurídica qualificada para evitar abusos consumeristas e assegurar que a aplicação do CDC seja realizada de maneira equilibrada, garantindo segurança jurídica tanto para os fornecedores quanto para os consumidores. O reconhecimento dessa realidade pelo Judiciário é um avanço necessário para a consolidação de um mercado de veículos usados mais justo e transparente no Brasil.
Dr. Reynaldo Villa Verde Junior